segunda-feira, 27 de outubro de 2014

coisas da educação... (d)a entrevista... maria filomena mónica...!


no i...

"Isso acontece também porque não temos líderes?

Temos os piores líderes.

E, no entanto, diz-se que nunca tivemos gerações tão bem preparadas...

Há mais gente na escola, quer na básica e secundária, quer na universitária. Houve a democratização, mas ao mesmo tempo uma massificação que teve efeitos negativos. Quando eu tinha sete anos e entrei para a escola primária a maior parte dos miúdos da quinta onde me aborrecia andavam a guardar vacas, não tinham acesso à escola. A minha grande desilusão, até porque o meu doutoramento é em Sociologia da Educação, foi com a escola pública. A escola pública, com um bocadinho de sentido prático e de convicção, poderia ser muito melhor do que é. É uma questão de dinheiro, mas não é principalmente uma questão de dinheiro.

Se não é dinheiro, qual é o problema?

As instalações não são extraordinariamente importantes, é uma pena e injusto que o Liceu Camões, que é bonito, esteja a cair, que chova dentro da sala de aula. Mas se o professor for bom, a coisa está resolvida. O problema é que o ministério interfere em tudo, até no que se come. Outro dia fui lá, a sopa estava aguada, porque o ministério faz outsourcing, é a apologia do privado. É claro que o privado está lá para ter lucro. O liceu Camões tem um óptimo refeitório, tinha possibilidade de fazer óptimas refeições. No privado e no público há bons e maus gestores. Tem de se ver caso a caso. Sou pragmática: para mim a escola pública é fundamental.

Porquê?

Acreditei sempre que a enorme desigualdade social que havia em Portugal em 1974 iria ser gradualmente eliminada quer através da repartição dos impostos, quer através da escola. É verdade que temos muito mais gente na escola, temos é gente que não aprende nada. E não é por causa dos professores ou dos alunos, é por culpa dos ministros. Tivemos 27 ministros em 30 anos, mal aqueceram a cadeira. Tiveram as ideias mais extraordinárias e loucas que já vi... 

Por exemplo?

Criaram o GAVE - Gabinete de Avaliação Educativa, que fazia uns exames que pareciam o totobola, punham-se umas cruzes - sou completamente contra as respostas múltiplas, aquilo é um disparate pegado -, e este ministro, em quem eu tive alguma confiança no início, a grande inovação que fez foi transformar em IAVE. Ora isso também eu era capaz, tirou o G e pôs um I. Os exames não têm pés nem cabeça, os manuais estão cheios de erros e este ano chegámos ao cúmulo de estarmos nesta altura e termos alunos sem professores. Se pegar em mil alunos quando eu entrei para a primária e mil alunos agora, os mil alunos do meu tempo vinham da classe média e 100 eram bons porque em casa falavam de Sócrates e Platão ou se não falavam ouviam vagamente - as classes altas em Portugal são particularmente analfabetas se comparadas com as europeias, as classes médias davam mais importância à cultura, as altas ao sangue, ao pergaminho e ao apelido. Agora, em mil talvez haja 200 bons alunos, mas os outros não sabem nada de nada e nunca vão saber. Portugal tinha a maior taxa de analfabetismo da Europa em 1974 e a escola não está a conseguir dar-lhes a cultura dita superior porque está a ser inundada por circulares do ministério.

Que deram origem a um livro...

Sim. Publiquei um livro chamado "Sala de aula" com base em diários de professores, sob anonimato. Todos os dias aqueles pobres seres recebem emails, uns mais aberrantes do que os outros, a dar ordens: pinte o cabelo de amarelo, faça o pino, diga aos alunos para cortarem as unhas. Isto é caricatural, mas não é caricatural quando nos exames do 12.o, no ano passado, eles enviaram uma circular aos professores dizendo que iriam receber um envelope (normalmente distribuído pela GNR), instruções: levar uma tesoura para a aula para abrir o envelope. Hã?! Portanto, o ministério achou por bem que os professores eram atrasados mentais.

E quem escreve essas circulares?

Não entendo 50%, pura e simplesmente. O ministério usa uma linguagem que deve ser um português do planeta Saturno, que ensinam aos professores dos cursos de Ciências da Educação. É uma linguagem cifrada, são idiotias ou banalidades ou coisas totalmente incompreensíveis que não servem absolutamente para nada a não ser para fazer com que os professores cheguem a casa - e 70% são mulheres -, e em vez de irem preparar o jantar e tomar conta dos filhos se ponham a ler circulares imbecis. 

Afirmou que no início estava confiante no ministro Nuno Crato. E agora?

Sim, ele era muito crítico do monstro, disse que ia fazer implodir o ministério. Viu-se. Implodiu-se a si próprio e ainda não saiu do lugar. Vi uma fotografia num jornal e parece que os olhos estão desorbitados. Isto mostra o que o poder faz às pessoas. Um grande senhor inglês, no século XIX, por acaso a propósito do Papa, nem era do poder dos políticos, disse que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Não digo que ele tenha poder absoluto, não tem, vivemos, apesar de tudo, em democracia. Mas o poder corrompe.

Acredita que Nuno Crato é corrupto ou deixou-se enlear?

Admira-me, porque conheço-o mal, encontrei-o duas ou três vezes e achei-o um ser sensato, simpático, que iria reformar ou tentar. Não me pareceu sequer que tivesse uma grande apetência pelo poder, mas deve ser bom. Para mim devia ser horrível, porque detesto. Fui directora do meu instituto, o mandato era por três anos e ao fim de ano e meio não aguentei. O poder não me interessa absolutamente nada, não me dá qualquer prazer. Ele deixou-se enlear, não teve coragem de ir à televisão explicar o que tinha que explicar, por exemplo, que iria ter de despedir dezenas de milhares de professores porque o acordo com a troika o exigia. Preferiu inventar uma parvoíce qualquer de umas provas que degeneraram nesta colocação dos professores. Um político tem de dar a cara.

Concorda com a forma como são escolhidos os professores?

Os do quadro podem ser horrendos, a minha geração tem segurança de emprego, pode fazer o que lhe apetece, a partir dos 45 anos estão praticamente todos nos quadros. Os jovens podem ser génios mas não entram e vão para a rua, que é de uma injustiça atroz. Nuno Crato deixou-se embrenhar em lutas que ninguém percebe nem entende e suponho que o povo português está absolutamente estupefacto com o caos que reina no ensino e nas escolas e que não tem remédio, não é com explicações extra que vai lá.

Mas também não sai do governo...

Queria não é? Mas é bem feita, agora fica, de castigo! Deviam pôr-lhe daqueles cones: BURRO."


o melhor é ler a entrevista... aqui.

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